São várias as tarefas que se apresentam aos
governos europeus na resposta à actual crise económica. O relançamento
económico através do investimento público, o combate às desigualdades que
permita a dinamização da procura salarial europeia ou a ajuda social de
emergência aos novos desempregados, devem, obviamente, ser as prioridades.
Contudo, o ponto de partida de uma resposta à crise deve estar no epicentro
desta: o sistema financeiro.
Embora a crise financeira tenha tido o seu início há um ano
e meio, a sua dimensão está longe ainda de ser totalmente perceptível.
Uma das soluções, avançada pelo sector, é a da criação de um
banco público que compre os activos "tóxicos" à banca comercial, denominado nos
EUA por "Agregrator". Esta foi mesmo a solução apresentada pelo Governo alemão
nos últimos dias, aliada à disponibilização de mais 400 mil milhões de euros de
novo crédito público aos bancos. Se esta solução poupa, aparentemente, os
contribuintes às perdas do sistema financeiro, dificilmente resolve o problema.
A análise comparada de semelhantes crises bancárias em países desenvolvidos,
nomeadamente a crise japonesa de final dos anos oitenta e a crise sueca do início
dos anos noventa, ilustram qual deve ser o papel do Estado.
Ambos os países assistiram à desregulamentação e
liberalização do seu sistema financeiro durante os anos 80, criando uma enorme
bolha especulativa imobiliária. Tal como aconteceu nos EUA, no momento em que o
crescimento dos preços começou a abrandar, o sistema financeiro entrou em
colapso, devido à insustentabilidade do crescente endividamento das famílias
promovido pelo constante aumento da sua "riqueza" imobiliária. Na Suécia a
intervenção das autoridades monetárias foi rápida e eficaz. O banco central
recapitalizou os bancos comerciais, não poupando os seus accionistas. Em suma,
um extenso programa de nacionalizações no sistema bancário reorganizou todo o
sistema financeiro sueco. Mais tarde, depois de ultrapassada a crise os bancos
foram reprivatizados, tendo o Estado ganho importantes mais-valias.
Por outro lado, o Japão parece ser o exemplo a evitar. Quando
se instalou a crise, as autoridades públicas pouco ou nada fizeram para livrar
o sistema bancário dos seus gigantescos passivos. O resultado foi o
arrastamento da crise ao longo dos anos noventa, com o sector bancário a
revelar as suas perdas durante um longo período de tempo. A confiança no
sistema financeiro nunca foi assim restabelecida, com a consequente estagnação
do consumo e do investimento. O seu crescimento médio, mesmo depois de
gigantescos planos de investimento público, não ultrapassou os 1% do PIB,
tendência que persiste até aos nossos dias.
A presente adopção do modelo de um banco para-estatal, que
assuma os activos tóxicos do sector bancário, aproxima-se perigosamente do exemplo
japonês. Neste modelo cabe aos bancos privados e não ao poder público escolher
os activos a transferir para a nova entidade. Acresce ainda que, ao não alterar
a gestão e o modelo negócio, esta solução não altera a forma de actuar do
sistema financeiro. É, assim, provável que tal instrumento forneça não mais do
que um "balão de oxigénio", não resolvendo os problemas estruturais do sistema
e prologando o actual clima de receio e desconfiança que impede o sistema de
crédito de cumprir a sua função de financiamento do investimento produtivo.
É necessário estar à altura da dimensão da crise e defender
uma reconfiguração do sistema financeiro. Os governos nacionais têm ao seu dispor
um instrumento robusto de intervenção: a nacionalização do sistema bancário. Se
admitirmos a segurança dos depósitos e as possibilidades de crédito como um bem
público vital para o bom funcionamento dos mercados, chegamos rapidamente à
conclusão de que é necessário integrar os bancos num sistema financeiro submetido
a uma nova lógica ao serviço da economia e dos cidadãos. Tais medidas não se
traduziriam necessariamente num monopólio público, onde o abuso de um bem tão
"explosivo" como a moeda seria um risco a correr. A inclusão das
partes envolvidas na procura de crédito (empresas, trabalhadores associações,
colectividades locais, representantes locais do Estado, etc.) na gestão bancária
futura preveniria tais abusos, colocando os bancos ao serviço da economia e dos
trabalhadores. O termo certo para esta transformação não será, pois, tanto
"nacionalização", mas sim socialização do sistema de crédito.
Nuno Teles, Economista, Co-autor do blogue Ladrões de
Bicicletas
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