Mês e meio depois do previsto,
com alguns percalços de pormenor, já está em vigor a mais grave e profunda
medida do reinado de Sócrates. Os primeiros dias deste Código do Trabalho
revelam tudo sobre o que representa este conjunto de alterações às leis
laborais. Mas, sobretudo, esclarece, se dúvidas houvesse, para quem governa
este Governo.
Este é o Código dos patrões.
Feito à sua medida e com o seu acordo: os patrões queriam despedir como
entendem, dispor dos horários e das vidas alheias, individualizar e precarizar
as relações de trabalho. A flexibilidade - palavra descoberta, por essa Europa
fora, nas alquimias da propaganda da situação - só significa aumentar a
exploração e enfraquecer a organização e a resposta de trabalhadores e
trabalhadoras.
Os últimos dias desfizeram o que
restava da propaganda do Governo. Recordemos: na preparação deste Código, Sócrates
e Vieira da Silva tentaram convencer-nos, com a desesperada ajuda de João
Proença, que se inaugurava um "combate à precariedade". Para tanto, julgavam
bastar acenar-nos com uma mão cheia de nada: o agravamento da Taxa Social Única
para quem empregava "a prazo" e uma nova pequena contribuição teria que passar
a ser paga pelos sugadores das vidas a recibos verdes. Nada que alguma vez
tenha preocupado os patrões, como
não deixou de esclarecer Van Zeller. Ora, escassos dias após a entrada em
vigor das novas leis laborais, o Governo voltou atrás. Afinal, aquelas medidas
vão ter que esperar. É a crise, dizem eles.
Nenhum efeito prático resulta da
"suspensão das medidas de combate à precariedade" - com migalhas faz-se
propaganda, nada mais. O que conta neste episódio é o significado político que
dele se retira: o Governo, mais uma vez, cedeu aos patrões ao mesmo tempo que
nos avisa que não devemos esperar nada a não ser mais exploração.
Nas costas largas da crise,
ensaia-se a outra suspensão: a suspensão dos direitos e das expectativas nas
nossas vidas. É isso que pedem, com mais ou menos vergonha, o inevitável Van
Zeller, mas também, entre outras ilustres personalidades, Pacheco
Pereira, Paulo
Portas e até Jorge
Sampaio. É isso que exigem os senhores banqueiros, que, mesmo garantindo
generosos subsídios com dinheiros públicos para os compensar da crise pela qual
são responsáveis, ameaçam agora despedir milhares de precários e precárias.
É isto a governação de Sócrates.
Um país onde galopa o descaramento das vozes dos poderosos e instalados, onde a
chantagem do desemprego é a arma para roubar os nossos salários e os nossos
direitos. Um país onde nos querem obrigar a aceitar viver sempre pior do que
antes e achar que "tem que ser". Assim se percebe que, à beira do ciclo
eleitoral, os patrões já tenham esquecido a moribunda direita e defendam aquele
que é, literalmente, o seu Governo. Ou, talvez melhor, o seu sustento. Nada
poderia definir mais claramente este mandato e a urgência de continuar a juntar
forças para o enfrentar.
Tiago Gillot
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