Sou aluno finalista do curso de antropologia nos ISCTE, fico
frequentemente chocado com comentários de alguns colegas que também são
finalistas e que certamente serão em breve antropólogos licenciados por esta
instituição.
Hoje a propósito de uma discussão sobre "os ciganos" ouvi
das maiores barbaridades proferidas em aula por alguns colegas. Desde que: "os
ciganos destroem as casas que lhes dão...", ou "vemos os negros nos barcos de
manhã todos os dias para ir trabalhar, mas não vemos os ciganos..." ou ainda
"até há alguns ciganos evoluídos que tem trabalho, casa e televisão...".
Aquele docente em particular que estava responsável pela
cadeira, tentava conter o chorrilho de asneiras que eram proferidas em
catadupa, infelizmente não foi eficaz pois o problema não depende dele. Este
caso não é único, não é a primeira vez que acontece e não será exclusivo do
ISCTE, porém assume proporções dramáticas quando se tratam de antropólogos que
estão a dois meses de estarem licenciados.
Em antropologia é suposto aprender entre outras coisas uma
série de conceitos que fazem parte do trabalho, pensamento e história da
antropologia. Refiro-me a tolerância, diversidade cultural, respeito pelo
"outro", direitos humanos, pensamento critico, mediação cultural, etc.
O problema é que estas pessoas que estarão em breve
licenciadas pelo nosso sistema de ensino para tratar destas questões, são as
mesmas que reproduzem o senso comum do preconceito e da intolerância. Mesmo
assim o problema aqui não só e em particular dos colegas que tiveram inúmeras
cadeiras onde trataram estas questões e que insistem em não aprender.
O problema de fundo é outro e é de duas ordens:
1 - A comunicação social reproduz diariamente, conceitos
xenófobos e racistas. Conceitos que continuam a fazer escola e que são
assimilados e reproduzidos por grande parte da nossa sociedade, quer seja por
ignorância, quer seja por opção ideológica.
2 - O sistema de ensino capitalista baseia-se num único
aspecto, o dinheiro. O critério é o seguinte se conseguires pagar as propinas
vendemos-te o curso, o mestrado, o doutoramento e por ai fora. Não tens que
aprender, não tens que mudar, não tens que questionar e questionar-te, não tens
que participar, só tens pagar e não estrebuchar.
Como referi anteriormente o problema não é dos meus colegas
em particular, mas da sociedade como um todo. Há opções que temos que fazer se
pretendemos "evoluir" ou se pretendemos continuar a aceitar este tipo de
discriminação e preconceitos.
Não pode haver tolerância com a intolerância para com os
"outros", intolerância essa que se baseia "apenas" nas diferenças fenotipicas
ou culturais. Ninguém diz os brancos isto ou os brancos aquilo, ninguém se
atreve a fazer generalizações sobre os brancos, mas pelos vistos o que não é
"branco" já pode ser generalizado. A triste história colonial e católica do
nosso país infelizmente ainda está viva no coração da nossa sociedade. Por esta
e muitas outras razões é urgente voltar a colocar estas questões, o debate
infelizmente está mais actual que nunca. No caso particular do ISCTE e do curso
de antropologia este debate não pode ficar por fazer, é urgente debater
sistematicamente estas "questões" até elas deixarem de existir. O racismo não
pode continuar a passar.
Pedro Pombeiro
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