
"É possível construir um projecto
europeu com largo apoio popular, se ele for muito menos mercado e
muito mais social e se for muito mais democrático e muito menos
intergovernamental", declara Miguel Portas na entrevista ao Global
do Esquerda nº. 35.
Na entrevista o eurodeputado do Bloco de
Esquerda fala do seu trabalho, da crise, da Europa e da
Esquerda.
Entrevista conduzida por Carlos Santos e Luís Leiria
Quando
foste eleito há 5 anos, o que esperavas, que projectos tinhas, e
qual foi a realidade do teu mandato?
A
ideia que tinha de um parlamento era a do português, mas o
Parlamento europeu é muito diferente de um parlamento nacional: não
há praticamente contraditório em plenário, a confrontação
política passa muito mais pelas comissões, no plenário são
sequências de intervenção, e essa é aliás a razão por que
aquele plenário só se junta no momento dos votos. No mais, aquelas
plateias que se vêem quase vazias correspondem a uma coisa que as
pessoas não têm a noção cá fora: é que vão ao debate os
deputados envolvidos naquela discussão.
O
plenário reúne uma vez por mês durante quatro dias, e depois tem
mais uma sessão extraordinária de um dia e meio em Bruxelas. E
portanto concentram-se os materiais todos, que antes são preparados
em comissão, para serem objecto de votação. A regra do jogo é
completamente diferente.
Isso
transforma os deputados numa espécie de nómadas, de Bruxelas para
Estrasburgo e de Estrasburgo para Bruxelas...
Realmente,
os deputados têm de fazer um vai-vem semanal entre o seu território
eleitoral e o trabalho no Parlamento. E depois há outros - e esse
foi o meu caso - em que esse vai-vem, como estava muito virado para
os assuntos externos, ainda se prolongava numa série de viagens que
tinha de fazer ao Médio Oriente, ou a centros de detenção de
imigrantes, ou às Nações Unidas... Digamos que, no meu caso, o
vai-vem foi bastante maior.
A
que comissões pertences?
Pertenço
à comissão de relações externas, à de cultura e à de
desenvolvimento.
Não
estive nas comissões que queria inicialmente.
Quando
chega ao Parlamento, um deputado não faz o que quer, faz o que pode.
O Parlamento europeu obedece a um conjunto de regras que foram
estipuladas pelas forças maioritárias. Cada comissão parlamentar
tem a composição aproximadamente proporcional ao peso de cada grupo
político, o que significa que nos grupos políticos mais pequenos,
como é o nosso (GUE/NGL - Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda
Verde Nórdica), é preciso dividir os deputados pelas várias
comissões dentro da proporção negociada pelo Conselho de
Presidentes do Parlamento europeu. O que significa que se um deputado
que já lá está há cinco anos, no mandato seguinte tem mais
condições de dizer "eu quero ficar nesta comissão e nesta" do
que o que lá chegue de novo. Eu queria estar na comissão de
assuntos ambientais e noutra ligada com o comércio internacional,
mas não pude.
Depois,
é preciso tempo para aprender as regras da casa. Uma pessoa não faz
os relatórios que quer fazer, faz os que lhe dão. Isso é outra
barganha. Cada comissão tem um número x de pontos para fazer
relatórios ou pareceres. E depois distribui esse número de pontos
proporcionalmente aos grupos políticos.
A
partir de metade do mandato, achei que mais do que fazer intervenções
em plenário de um minuto, era mais interessante aumentar o número
de realizações em Portugal que permitisse fazer um trabalho de
divulgação crítica do que é a política europeia. Portanto, a
partir da segunda parte do mandato, comecei a fazer muito mais acções
e a aceitar muito mais convites em Portugal.
Quer
dizer que seguiste uma estratégia de não ficar só naquele
hemiciclo, mas expandiste a acção...
Senti-me
mais útil usando a condição de deputado europeu sendo observador
eleitoral na Palestina ou no Líbano, ou usando essa mesma condição
para ir a esses dois países em contexto de guerra. Para os
palestinianos ou para os libaneses, o que dissesse no Líbano ou na
Palestina era importante, até porque era uma opinião europeia
diferente da opinião oficial. E aí eu senti que valia a pena ser um
deputado europeu de esquerda.
Ou
quando integrei delegações para ir visitar centros de detenção de
imigrantes em Melilla ou em Lampedusa. Para essas pessoas, e do ponto
de vista de alertar a opinião pública europeia para aquelas
situações, para o modo como a Europa fortaleza trata os imigrantes,
também foi importante.
Também
fizeste intervenções importantes dentro das fronteiras da Europa...
Fiz
várias intervenções sobre emigrantes portugueses em trabalho
temporário na Holanda, na Bélgica e na Irlanda. E pela mesmíssima
razão que me levou a ir também a Lampedusa ou a Melilla. Aonde há
situações de sobreexploração ou de ataque evidente a direitos
humanos elementares, é obrigação procurar contrariar essa
situação. No caso dos portugueses na Holanda, até com maioria de
razão, porque obviamente me são mais próximos do que outros que
pertencem a povos mais distantes. Mas também por uma razão
suplementar, é que eles não eram emigrantes quaisquer, os
portugueses eram tratados na Holanda como em Portugal tratamos
imigrantes ditos ilegais vindos de África, ou como na Alemanha se
tratam ditos ilegais vindos da Turquia.
"O Bloco é
hoje um partido escutado e atentamente observado por muitos partidos
europeus de esquerda"
Como foram as relações com a
esquerda europeia?
A
esquerda no Parlamento europeu não se limita ao grupo da Esquerda
Unitária: é maior. A maioria dos deputados verdes são de esquerda,
e uma parte dos socialistas, minoritária, mas, apesar de tudo,
significativa, são deputados de esquerda.
Ou
seja, se tivesse de saber com quem é que eu votei mais vezes, eu
diria que provavelmente votei mais vezes com verdes e com esquerda
dos socialistas do que com os meus camaradas de grupo do Partido
Comunista Grego, que votam inúmeras vezes com a extrema-direita do
Parlamento europeu, porque querem a saída da Grécia da União
Europeia. Temos dentro do GUE uma maioria de deputados que é
europeísta de esquerda, que se situa na mesma linha de reflexão que
o Bloco tem feito, com diferenças de aproximação aqui ou ali; mas
também temos uma componente de esquerda soberanista - chamemos-lhe
assim, para simplificar.
Temo-la
em partidos nórdicos e em partidos eurocépticos, como é o caso -
extremo - do Partido Comunista Grego. Os grupos parlamentares são
confederais, sem disciplina de voto, embora procuremos aproximar
posições, mas mantendo sempre o direito a liberdade de voto de cada
um dos deputados. Essa é a regra do Parlamento europeu, também é
muito diferente do parlamento português.
Seres
eurodeputado ajudou alguma coisa na ligação com a esquerda
europeia?
Pode
dizer-se que o Bloco começa a ter uma política internacional a
partir do momento em que começa a dispor de uma delegação em
Bruxelas. O Bloco é hoje um partido escutado e atentamente observado
por muitos partidos europeus de esquerda, porque somos uma força que
se vem consolidando paulatinamente em Portugal, um dos casos mais
interessantes à escala europeia; por outro lado, temos uma política
favorável ao desenvolvimento de relações em todas as direcções.
Ou
seja: estamos no GUE, num grupo confederal de ampla latitude, e
estamos muito bem; estamos na esquerda europeia, onde se reúnem
basicamente as forças que têm pontos de vista europeístas de
esquerda mais consistentes, e estamos muito bem; e estamos também
nas redes de diálogo anti-capitalista que envolvem partidos da
esquerda radical, ou que vinham das tradições da extrema-esquerda,
e também estamos muito bem.
Esta
atitude é relativamente rara no conjunto das esquerdas na Europa.
Mas nós mantemo-la e queremos mantê-la. É um trabalho de
paciência, porque temos na Europa um desenvolvimento
extraordinariamente desigual das esquerdas políticas. Há poucos
casos bem-sucedidos - o Bloco é um exemplo, o Partido da Esquerda na
Alemanha é outro. Temos situações extraordinariamente volúveis -
é, por exemplo, o caso da França, onde o "não" de esquerda foi
poderosíssimo há dois anos, mas onde hoje a esquerda está
dividida, há uma ascensão muito importante de um novo partido, o
Novo Partido Anti-capitalista, mas há também cisões de esquerda no
Partido Socialista Francês, há um Partido Comunista em crise há
muito tempo, mas que é importante no Parlamento europeu, até porque
o presidente do grupo é francês. Há a tentativa de construção de
uma plataforma das esquerdas que incorpora o PCF e dissidentes do PS,
a Frente de Esquerda. Contudo, esta nova formação não está,
aparentemente, a conseguir marcar o panorama político-eleitoral
francês.
Depois,
temos casos de crise profunda: no Reino Unidos, na Itália, situações
em que por erros próprios e por situações extraordinariamente
adversas, os ganhos da esquerda política nos anos anteriores
esfumaram-se.
Finalmente,
há forças políticas que só se explicam pelas histórias
nacionais, como é o caso do Sinn Féin na Irlanda ou o Partido
Comunista de Chipre, o Akel.
Verificou-se
ou não convergência com o PCP no Parlamento europeu?
Na
grande maioria das vezes, votámos do mesmo modo, um pouco como no
Parlamento português.
Na
questão do Tratado de Lisboa, que foi uma das quatro ou cinco
grandes questões deste mandato, tivemos a mesma posição, contrária
ao Tratado. Mas já teríamos posições completamente diferentes se
estivéssemos a discutir como é que vemos a Europa daqui para a
frente.
Ou
seja: convergíamos na recusa do modelo económico e político de
Europa que estava a ser proposto, mas teríamos uma enorme
dificuldade e seguramente não convergiríamos se tivéssemos que
discutir o modo como vemos a Europa para a frente. Aqui há de facto
uma diferença substantiva. O PCP é genericamente por uma linha de
Europa mínima. E Europa onde Malta e a Alemanha tenham exactamente o
mesmíssimo voto. Ou seja, vê a Europa como uma construção
fundamentalmente inter-governamental, assente na igualdade de voto.
Nós,
pelo contrário, concebemos o projecto europeu numa articulação
entre cidadania europeia, com respeito pela componente Europa das
Nações, e somos a favor de um projecto europeu de alta intensidade
democrática e social. Isto é muito diferente de uma Europa que se
desejaria que não funcionasse - que é o ponto de vista
estratégico do PCP sobre o projecto europeu.
"A Europa
confronta-se com uma crise global, mas para a qual só encontra
respostas nacionais"
A
atitude da União Europeia perante a crise não pode ser suicida?
Está
a ser. Perante a crise que se abateu sobre a economia real e sobre a
vida das pessoas, a reacção dos governos foi a de cada um por si.
Até porque os 27 governos da Europa, os 27 Estados da Europa, não
estavam todos na mesma situação.
O
maior exportador mundial é a Alemanha, que é um dos grandes
compradores de títulos do tesouro norte-americano, juntamente com a
China e com os países petrolíferos, os seus interesses não
coincidem desse ponto de vista com os da França.
A
própria arquitectura da Europa era a de uma Europa de governos e não
a de um projecto europeu sólido, assente numa dimensão de cidadania
europeia importante e com um projecto social afirmado. Isso é que
permitiria à Europa responder a esta crise e nomeadamente evitar que
ela fosse paga inteiramente por aqueles que pagam sempre as crises.
De
repente nós vimos a situação extraordinária de um dos governos
mais eurocépticos desde sempre, o inglês, virar europeísta e vimos
o mais europeísta dos países virar alemão.
Ao
longo destes meses deram-se reversões brutais no modo como os vários
governos passaram a ver o projecto europeu, mas isso não tem nada
que ver com o facto de uns serem de direita, ou de grande coligação
ou ditos socialistas, tem que ver rigorosamente com o modo como as
diferentes burguesias e elites nacionais se confrontaram com a crise.
O resultado é que a Europa não consegue mais do que coordenações
mínimas.
O
facto de ser uma Europa de governos não facilita uma capacidade de
reacção em conjunto. Se eles fossem realmente europeístas, e não
europeístas à moda de José Sócrates ou de Manuela Ferreira Leite,
estariam em nosso nome a procurarem pôr-se de acordo dentro da
máxima popular de "um por todos todos por um", mas a tendência
dominante é cada um por si.
Que
medidas europeias é que achavas que era urgente tomar nesse sentido?
Para
resolver crises impõe-se recursos e a aplicação dos recursos.
Mais
recursos significaria orçamento comunitário muito mais forte. Os
governos não se puseram de acordo com isto, o orçamento continua
exactamente igual. Mesmo o chamado plano Barroso, que foi aprovado em
Dezembro, não é realmente um plano. De dinheiro fresco novo tem
30.000 milhões de euros, uma ninharia. É pouco mais do que os
avales que o Estado português decidiu dar à banca portuguesa.
Tudo
o resto que eles acordaram foi: somar os planos que já tinham
aprovado nos respectivos orçamentos de Estado e eventualmente
antecipar para 2009 algumas coisas que estavam projectadas para 2010
ou 2011.
Obama
está a jogar contra a crise numa lógica de Estado federal, com um
orçamento que representa 20% do PIB norte-americano, portanto com
outro tipo de recursos e admitindo ir a um défice orçamental de
mais de 10% do orçamento norte-americano.
A
União Europeia pelo contrário não só mantém integral que o
orçamento comunitário deve ter um défice zero, como se mantém
formalmente amarrada ao pacto de estabilidade e crescimento.
Esta
é a forma errada de abordar a resposta à crise do ponto de vista
dos recursos a injectar na economia, mas este erro amplifica-se
quando discutimos aonde é que vamos encontrar os recursos.
Nas
últimas discussões no parlamento, sobre a questão dos recursos, o
que vimos foi que o próprio parlamento, por vontade da direita, foi
contra qualquer ideia de emissão de dívida pública europeia.
Em
segundo lugar, eram a favor, mas não se puseram ainda de acordo, por
exemplo, sobre uma questão chave nas bolsas, que é a criação de
uma agência pública de notação europeia. Traduzido por miúdos: é
muito importante o modo não só como as empresas estão cotadas em
bolsa, o que valem ou que não valem, mas como os Estados estão
cotados, para acesso a empréstimos internacionais. Portugal se
precisa de ir buscar um empréstimo ao mercado internacional vai
buscá-lo a uma taxa de juro diferente do Estado alemão, porque o
Estado alemão está classificado como fiável e seguro para a
eternidade. Isso significa que a crise amplifica as desigualdades
entre países no acesso ao crédito.
Terceiro
aspecto admitiam ir finalmente combater os paraísos fiscais, o saldo
é mais do que mitigado. Os governos europeus só estão na
disposição de ir até à transformação de todos os seus paraísos
fiscais em paraísos fiscais como o da Madeira: mantêm-se como
paraísos fiscais, mas deixam de ser paraísos judiciais. Obviamente
isto é importante, mas fica muito aquém do que é a questão
central: encontrar modos de taxar todas as transacções de capital,
todas as transacções em bolsa, todas as transacções e movimentos
de capitais para paraísos fiscais. Se o pudéssemos fazer
encontraríamos recursos mais que suficientes para a Europa poder
enfrentar solidariamente a crise.
Dou-vos
um outro exemplo. A Europa também não se põe de acordo sobre uma
política para acabar com a evasão no IVA intra-comunitário.
O
tribunal de contas europeu avalia a evasão no IVA dentro da UE em 1%
do PIB, tanto quanto o orçamento comunitário.
A
Europa confronta-se com uma crise que é global e que é europeia,
mas para a qual só encontra respostas nacionais. Esta é a questão
política que está colocada, mas é exactamente esta diferença de
escala que permite ao capital, que é transnacional, escapar à crise
e até poder em vários casos acumular durante a crise para ganhar
posições para o período seguinte. Do ponto de vista social esta é
a pior das respostas.
"Sócrates
reduziu o discurso europeísta do PS ao patrioteirismo"
Como te sentiste, tendo um português
como presidente da comissão europeia, com o porreiro pá...
Há
uma espécie de provincianismo em Portugal que tende a achar bem
qualquer português que esteja lá fora.
E
desse ponto de vista foram extraordinárias as declarações de
Sócrates num dos últimos debates parlamentares. Porque José
Sócrates veio dizer que votam Durão Barroso porque ele é
português, independentemente da sua política, e que estamos na
União Europeia, não porque o projecto europeu possa ser importante
para a Europa e para o mundo e por isso também para Portugal, mas
basicamente porque é importante para Portugal. Ele faz um processo
de nacionalização do seu próprio discurso europeísta, sob essa
bandeira mítica do patriótico, mas que no fundo não é mais do que
uma redução do patriótico ao patrioteirismo de trazer por casa e
que homogeneíza inteiramente o discurso do PS com o discurso do PSD
ou do CDS em matéria de Europa.
Um
dos dramas do projecto europeu tal qual existe é que ele é cada vez
mais um projecto dos Estados. O elo forte deste tipo de construção
europeia é o Conselho Europeu, na verdade são os governos. E o
Conselho transformou a Comissão numa espécie de secretariado
executivo da sua própria vontade. É isto que explica porque é que
os grandes países, com excepção da França, querem que Durão
Barroso continue. Barroso foi eleito presidente da anterior Comissão,
em quarta escolha e por duas ordens de razões.
A
primeira porque era fiável para os governos mais atlantistas, ou
seja aliados claros da administração Bush. Durão Barroso tinha
sido o porteiro da cimeira dos Açores e isso era um factor político
de enorme confiança.
A
segunda razão, interna à Europa, é que Durão Barroso era um
presidente fraco. Os principais governos na Europa querem uma
Comissão fraca, para que sejam eles efectivamente a determinar a
política. Barroso foi uma solução interessante porque, apesar do
nome que tem, garantia docilidade.
Com
o pequeno papel que o Parlamento Europeu tem, não será que há
razões para a abstenção?
O
papel do parlamento não é tão pequeno como parece. A aprovação
parlamentar é exigida em diversos domínios legislativos.
A
co-decisão entre PE e governos obriga a conciliar pontos de vista.
Senão, a directiva fica a marinar, como aconteceu recentemente com a
do horário de trabalho.
Sem
a aquiescência do PE, a directiva não passou.
O
parlamento europeu vai acentuar inevitavelmente a componente de
matérias em que também decide.
Não
decide como decide o parlamento português. No parlamento português
há um assunto que se vai discutir e cada partido apresenta o seu
projecto de lei. Confrontam-se os projectos, que em seguida baixam à
comissão para discussão na especialidade. Em Estrasburgo não é
assim. A iniciativa legislativa cabe à comissão Barroso e não aos
grupos parlamentares. Esta é a principal diferença. Os
parlamentares operam com emendas e depois em negociação com o
Conselho e a Comissão.
É
um processo complexo, muito diferente do que estamos habituados. O
parlamento europeu, não sendo um parlamento normal, ou seja, não
tendo poder legislativo próprio, condiciona a produção
legislativa, bloqueia-a, se necessário e pode pressionar para a
adopção de novas leis.
O
que aprendeste no parlamento europeu e como eurodeputado?
Valorizo
hoje de maneira diferente a relação entre projecto europeu e
Estados-nação. Não é por acaso que hoje não propomos uma
Constituição europeia, eleita sob Assembleia Constituinte. Não
porque a proposta em si mesmo fosse errada, mas porque a forma como a
construção europeia se tem vindo a desenvolver nos últimos anos
criou profundos anti-corpos nas diferentes sociedades que constituem
a Europa.
Toda
a refundação de um projecto europeu, que é indispensável, tem que
se fazer ao ritmo que os povos entenderem. É possível construir um
projecto europeu com largo apoio popular, se ele for muito menos
mercado e muito mais social e se for muito mais democrático e muito
menos intergovernamental.
O
projecto europeu, neste momento, é refém duma lógica quase fatal:
de um lado o euro-porreirismo e do outro lado um euro-cepticismo de
recorte nacionalista. Em certo sentido o euro-porreirismo é mais
pernicioso porque o nacionalismo alimenta-se das asneiras e da
arrogância do euro-porreirismo. Por isso está a crescer num
conjunto largo de países, onde a crise pode vir a ser politicamente
absorvida por direitas xenófobas e racistas.
Por
outro lado, esta crise cria condições únicas à esquerda: Tudo
aquilo que foi dizendo ao longo das últimas décadas tornou-se de
repente plausível e acertado.
A
esquerda tem, na resposta a esta crise, não só a coerência, mas
também aquilo que defende surge aos olhos de larguíssimas massas de
população trabalhadora como a saída socialmente mais justa. Isto
cria condições excelentes para o combate político. O problema é
que em vários países da Europa a esquerda política não está em
condições de travar esse combate com sucesso, noutros está. Em
Portugal tem condições para travar esse combate político com
sucesso e está a fazê-lo.
|