Os
interesses da empresa sueca IKEA em instalar um empreendimento
comercial no concelho de Loulé está a desenvolver-se claramente
como um ‘case study'. Não tanto pela sua propaganda de capital
liberal e moderno mas, sobretudo, pelos interesses monopolistas que
faz girar à sua volta e pelo séquito capitalista que mobiliza.
Artigo
do leitor Helder Faustino Raimundo
Do
que se sabe, do plano do gigante do capital sueco, é que pretende
instalar um conjunto de centros comerciais em Espanha e Portugal (com
o qual não vou perder aqui muito tempo), entre as quais um deles
projectado para o concelho de Loulé. Este, segundo os dados e
números da empresa, seria uma loja Ikea e um centro comercial
InterIkea. O investimento atingiria entre 200 a 300 milhões de euros
e criaria cerca de 3000 postos de trabalho. Não havendo mais nada de
concreto - pelo menos na opinião pública - nada se sabe da
verdade destes números, designadamente que tipo de emprego criaria.
O que se sabe é que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional do Algarve (CCDRA) já recebeu um pedido de viabilidade da
obra e já efectuou reuniões internas e com a IKEA e a Câmara de
Loulé sobre o assunto.
Em
entrevistas sucessivas, o presidente da Câmara de Loulé tem
assumido que o caso está em ‘discussão pública' e a ser mal
entendido e discriminado pela ignorância de alguns. Na verdade não
há discussão pública nenhuma, a não ser um monólogo sucessivo da
parte de um único actor: a Câmara de Loulé. Porquê? O carácter
de discussão pública obrigaria a que se estimulasse um debate na
região e no concelho sobre: i) se a proposta de instalação de um
empreendimento comercial em terrenos considerados (pelo Plano
Director Municipal em vigor) como sendo Reserva Agrícola Nacional e
Áreas Predominantemente Agrícolas, contribui verdadeiramente para o
que todos apregoam como sendo ‘o desenvolvimento sustentável?';
ii) se a pressão exercida pelo gigante sueco, para instalar o seu
negócio junto do nó Loulé/Faro da Via do Infante, perto do Parque
das Cidades, constitui ou não um golpe de interesse privado em área
de confirmado interesse público para toda a região?; iii) e ainda,
se a Câmara de Loulé está disposta a impor ‘vontades' de
alteração sucessiva dos instrumentos de planeamento municipal e
regional, para alargar as áreas construídas e impermeabilizadas,
por todo o concelho, quando tem definidas áreas claramente
estipuladas como de urbanização ou de expansão
industrial/comercial?
Mas
este caso não trata só de uma mera loja de móveis de design sueco.
Ele mostra os tentáculos que o capitalismo possui, e arregimenta,
quando se trata de acenar rebuçados à crise, com investimentos e
emprego. Do que se sabe, a Ikea negoceia através de uma empresa
testa de ferro, a IMO-224 (a empresa auto-designa-se como ‘sociedade
veículo'), que assentou arraiais à volta da Via do Infante, tendo
adquirido terrenos na área da Alfarrobeira que já somam 40 hectares
(lembramos: 40 campos de futebol, iguais ao do Algarve ali perto). A
IMO-224, com sede na sociedade de advogados de José Miguel Júdice,
afirma não ser especuladora imobiliária, mas o facto é que o
montante das aquisições de terrenos que efectuou atinge já,
segundo dados da imprensa, quase 17 milhões de euros. Acresce que os
negócios incluem cláusulas de confidencialidade, que funcionam como
blindagem de informação para a opinião pública e de pressão
sobre os vendedores.
Noutro
campo, a cadeia sueca desenvolve uma chantagem que cala fundo na
população que passa dificuldades, devido ao crescente desemprego na
região. Em muitas ocasiões tem surgido a espada de Dâmocles sobre
as nossas cabeças: "Ou aceitam o Ikea nas condições que nós
queremos ou iremos para Espanha!". A chantagem sobre o Algarve e os
seus territórios é inaceitável, até porque sabemos que a
alternativa de Huelva, na Andaluzia espanhola, já está negociada e
contratualizada, estando previsto o início da construção para
breve e a abertura do Ikea no ano de 2011.
Como
se percebe, este é um assunto que tem feito - e fará ainda -
correr muita tinta e muitas teclas nos media tradicionais e nos
blogues, e precisa de ser esclarecido perante os verdadeiros
interessados: a população do Algarve. Sem a sua participação
organizada, em discussão transparente, não é possível realizar
qualquer progresso ou desenvolvimento durável. As instituições, e
sobretudo os órgãos democráticos eleitos, têm a obrigação de
facultar informação e estimular a discussão. Foi para essa função
que o povo lhes deu o mandato. Em particular, a Assembleia Municipal
de Loulé deverá promover este desiderato. Neste caso, o Bloco de
Esquerda, secundado pelo Partido Socialista, já manifestou as suas
interrogações e preocupações à Câmara Municipal, aguardando
respostas claras às questões acima colocadas. Espera-se que as
estratégias de desenvolvimento económico e do emprego, para o
concelho de Loulé e para a região algarvia, possam ser esclarecidas
em discussão aberta e transparente. Os cidadãos merecem-no!
Helder Faustino Raimundo
- Professor
na Universidade do Algarve e membro do grupo de trabalho de apoio ao
Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Loulé
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