Os
casos que povoam a agenda têm criado tensões muitíssimo pouco
desejáveis num Estado de Direito e num sistema político
democrático. E têm sobretudo contribuído para colocar à vista de
todos problemas que há muito eram sentidos. A democracia anda a ser
agredida. Três tipos de maus tratos têm-se destacado nestes
domínios.
Em
primeiro lugar, tem sido evidente para o cidadão comum a existência
de duas justiças em Portugal: a dos ricos e influentes e a do comum
dos mortais. Na primeira há sempre lugar a recursos, a
relativizações e ao benefício da dúvida. A segunda é implacável,
cega e nada misericordiosa. O diagnóstico é mais do que conhecido:
a existência de um sistema de justiça assim é um perigo num
sistema democrático.
Em
segundo lugar, assiste-se ao levantamento regular de perigosas
suspeitas relativamente a figuras reconhecidas da classe política.
Embora na maioria dos casos tal se encaixe num perfil relativamente
tipificado - figuras do bloco central que saltaram entre o público
e o privado e com ascensões meteóricas - acaba por ser toda a
imagem de uma classe que está a sair manchada. Tal como até já
demonstram alguns estudos, a percepção da corrupção está a
aumentar perigosamente na opinião pública.
Por
último, como se as dimensões acima não fossem suficientes,
assiste-se com alguma regularidade ao lançamento de acusações
sobre as intenções politicas de alguns processos judiciais. E tais
acusações gravíssimas não são levantadas por comentadores mais
exaltados ou por militantes de base irreverentes, mas sim por altas
figuras do Estado, desde ministros ao próprio primeiro-ministro. Um
autêntico achincalhanço irresponsável do Estado de Direito.
Embora
assuma contornos assustadores, seria exagero considerar o cenário
como uma catástrofe. A democracia felizmente possui uma grande
capacidade de resistência a agressões de índole diversa. De
qualquer modo, não tenhamos dúvidas que a qualidade da democracia
portuguesa está a sair seriamente maltratada de todos estes
processos.
João
Ricardo Vasconcelos,
politólogo,
gestor de projectos e autor do blogue Activismo
de Sofá
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