As chances de a esquerda brasileira
vencer as eleições de 2010 passam por imprimir um curso
à esquerda para o segundo mandato de Lula, por alterar a linha
política e o funcionamento organizativo do Partido dos
Trabalhadores, por reatar os laços da esquerda política
e social, bem como por uma ampliação das lutas sociais,
diz Valter Pomar, secretário de relações
internacionais do Partido dos Trabalhadores, neste artigo especial
para o Esquerda.net.
Lula foi candidato a presidente da
República em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006. Dos vários
partidos de esquerda existentes no Brasil, apenas dois o apoiaram em
todas estas eleições: o PT (seu partido) e o Partido
Comunista do Brasil. Os demais partidos de esquerda o apoiaram em
algumas eleições, algumas vezes apenas no segundo turno
(caso do PSTU em 2002). Em algumas destas eleições,
notadamente em 2002 e 2006, Lula recebeu, também, o apoio
formal ou informal de importantes organizações sociais,
como a CUT, a UNE e o MST.
O primeiro mandato de Lula, de 2003 a
2006, contou também com o apoio de vários partidos de
centro e de direita. O Partido Liberal, por exemplo, indicou o
candidato a vice-presidência da República, o empresário
José de Alencar (hoje, filiado ao Partido Republicano
Brasileiro). Outros partidos de centro e de direita o apoiaram,
formal ou informalmente, no primeiro e no segundo turno das eleições
de 2002 e 2006.
O gabinete ministerial de Lula (tanto
agora, quanto no primeiro mandato) é composto por partidos de
esquerda, de centro e de direita (caso do Partido Progressista, onde
está Paulo Maluf; e também do Partido Trabalhista
Brasileiro, onde se abriga o conhecido Fernando Collor de Mello).
Além desta presença
partidária, o governo de Lula inclui também uma
representação social, tanto das classes trabalhadoras
quanto do grande capital. No primeiro caso, isto não fica
explícito, pois lideranças como Luiz Marinho (que saiu
da presidência da CUT direto para o Ministério do
Trabalho) são filiadas ao PT. Já no segundo caso, isto
fica explícito, com a presença de personagens como
Roberto Rodrigues (grande empresário do agronegócio,
ministro da Agricultura no primeiro mandato), Luís Furlan
(grande empresário do setor de alimentação,
ministro da Indústria e do Comércio no primeiro
mandato), Henrique Meirelles (alto executivo do Banco de Boston,
presidente do Banco Central no primeiro mandato, que segue no posto
até agora), Miguel Jorge (alto executivo do Banco Santander,
atual ministro da Indústria e do Comércio), entre
outros.
A composição do gabinete
ministerial tem correspondência com a base de apoio do governo,
tanto no Congresso Nacional quanto nos movimentos sociais. Vale dizer
que os partidos de centro e de direita, no Congresso Nacional, apóiam
o governo naquilo que não entra em choque com a sua base
social conservadora. Assim é que, por exemplo, derrotaram a
reforma política apoiada pelo PT, derrotaram a lei que
permitiria a desapropriação de terras onde fosse
descoberto trabalho escravo, ao mesmo tempo que aprovaram (contra o
governo) a Emenda 3, que flexibiliza perigosamente a legislação
trabalhista.
Vale dizer, também, que as
direções dos principais movimentos sociais do Brasil
(tais como a CUT, UNE e MST), embora tenham apoiado a eleição
de Lula e defendido seu governo durante a crise de 2005, estão
se posicionando de maneira cada vez mais explícita e crítica
contra o que consideram aspectos conservadores de sua política,
a começar da política desenvolvida pelo Banco Central e
o projeto que regulamenta a greve do funcionalismo público.
O mesmo sentimento crítico está
presente nas direções do PCdoB e do Partido dos
Trabalhadores. Neste segundo mandato, não há mais apoio
automático e incondicional, destes dois partidos de esquerda,
a toda e qualquer coisa que o governo faça.
Esta postura decorre da avaliação
de que, no primeiro mandato, cometeram-se erros importantes, que não
devem ser repetidos. Entre estes erros, podemos citar:
a) uma estratégia geral de
conciliação de classe e "coexistência
pacífica" com a hegemonia neoliberal;
b) uma política de
"governabilidade institucional", baseada principalmente na
construção de maiorias congressuais, subestimando o
caráter estratégico da "governabilidade social";
c) uma política econômica
que não tocou na hegemonia do capital financeiro, mantendo
altas taxas de juros e enorme superávit primário,
priorizando o serviço das dívidas públicas e
contingenciando pesadamente o orçamento da União;
d) a continuidade da influência do
pensamento neoliberal em importantes setores do governo, provocando
erros como o da reforma da previdência, que dividiu nossa base
social logo no início do primeiro mandato, pondo a perder o
momento em que poderíamos unificar esta base na execução
de reformas populares;
e) um forte viés compensatório
nas políticas sociais e a não realização
de reformas estruturais que garantissem a universalização
de direitos;
f) uma política de comunicação
tradicional, que não trabalhou para democratizar profundamente
a comunicação social;
g) a transformação do
Partido em "correia de transmissão" do governo;
h) a adoção de uma
política de financiamento similar à vigente nos
partidos tradicionais.
Aproveitando-se destes erros e do
resultante desgaste, a direita brasileira quase derruba Lula e
destrói o PT, no ano de 2005. Em 2006, a esquerda reagiu e
virou o jogo, especialmente no segundo turno das eleições
presidenciais.
A expectativa produzida, na esquerda
brasileira, pelo segundo turno das eleições
presidenciais de 2006, foi a de que teríamos um segundo
mandato de Lula superior ao primeiro. E, além de superior, à
esquerda do primeiro.
Tratava-se, em resumo, de fazer do
segundo mandato de Lula (2007-2010) um momento de consolidação
das bases de um ciclo longo de desenvolvimento democrático-popular
para o Brasil.
Contávamos, para isso, com o
fato do segundo governo Lula começar em condições
melhores do que o primeiro. Uma conjuntura internacional mais
favorável; uma correlação de forças
nacional melhor; uma situação econômica também
melhor; e uma esquerda que adquiriu muita experiência, tanto
política quanto administrativa, ao longo destes quatro anos.
Imaginávamos, portanto,
implementar as idéias centrais do programa de governo:
a) uma política econômica
que combinasse crescimento com forte distribuição de
renda, enfrentando especialmente o grande capital financeiro privado.
b) a democratização do
país, com ênfase na reforma política e na
democratização da comunicação social no
Brasil.
c) a real constituição do
Ministério da Defesa.
d) a transição da política
compensatória para as políticas sociais permanentes e
destas para as grandes reformas estruturais, com destaque para as
reformas agrária e urbana, bem como a continuidade das
políticas de gênero, igualdade racial e combate a
homofobia.
e) a soberania externa com ênfase
na integração continental.
Seis meses e alguns dias depois, que
balanço podemos fazer destas expectativas?
Foi lançado o Plano de
Aceleração do Crescimento, que sinaliza um maior
protagonismo do Estado na economia. Mas a taxa de juros continua
excessivamente alta, inclusive ajudando a causar sérios
problemas cambiais.
Embora haja indicadores positivos e
medidas importantes (como elevação do salário
mínimo e do valor do bolsa-família), a verdade é
que distribuição de renda ainda corre muito atrás
do crescimento.
A reforma política foi derrotada
no Congresso Nacional. Por outro lado, está se constituindo
uma rede pública de televisão. Sem que isto implique no
desmonte dos monopólios privados que controlam o setor.
O ministério da Defesa está
mais frágil que antes, em grande medida devido a crise no
transporte aéreo. Não se efetuou a esperada transição
qualitativa nas políticas sociais.
Um ponto positivo segue sendo a
política externa, que embora moderada na forma, tem sido firme
nos limites, nos propósitos de integração
continental e na prioridade para a relação Sul-Sul,
como se verificou no caso da Alca, nas negociações da
OMC e no conflito com a Bolívia, com a qual o governo fez
acordos que desagradaram a direita e setores do grande empresariado.
Por outro lado, na polêmica sobre
biocombustíveis, o governo enfrenta uma oposição
variada, que inclui setores dos movimentos sociais, partidos e
lideranças importantes da esquerda mundial, até setores
empresariais e governos interessados em manter a predominância
de outras fontes de energia.
De maneira geral, podemos dizer que os
primeiros seis meses do segundo mandato de Lula frustraram, até
agora, parte importante das expectativas da esquerda.
Isso é muito evidente no caso da
composição do atual gabinete ministerial. No geral, há
uma redução da presença do PT e um crescimento
da presença de partidos de centro e direita. Além
disso, temos a manutenção de personagens como o
presidente do Banco Central, representante da ortodoxia financeira,
bem como de Hélio Costa, representante das empresas da área,
à frente do Ministério das Comunicações.
Mas atenção: ao mesmo
tempo, o governo Lula apresenta altíssimos índices de
apoio popular. E o PT segue não apenas o partido com maior
simpatia popular, mas também apontado (nas pesquisas
populares) como o partido mais identificado com os interesses dos
pobres e dos trabalhadores.
Finalmente, algumas palavras sobre as
eleições presidenciais de 2010.
O PT não possui candidato
natural à sucessão de Lula. Isto desperta nos partidos
de oposição (Social-Democracia e Democratas) a
"certeza" de que elegerão o próximo presidente. E
desperta, nos partidos de direita, centro e de esquerda da coalizão
que apóia Lula, a expectativa de apoiar em 2010 uma
candidatura presidencial não-petista.
As chances da esquerda brasileira
vencer as eleições de 2010 passam por imprimir um curso
à esquerda para o segundo mandato de Lula, por alterar a linha
política e o funcionamento organizativo do Partido dos
Trabalhadores, por reatar os laços da esquerda política
e social, bem como por uma ampliação das lutas sociais.
Nada disso é garantido, mas tudo
isso é plenamente possível. Em resumo: os próximos
anos, no Brasil, continuarão sendo de intensa luta ideológico,
política e social.
Valter Pomar
Secretário de relações
internacionais do PT
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