"O princípio do tratamento
mais favorável" é uma questão central no
Direito de Trabalho. O livro branco pretende manter, no essencial, a
subversão do Código Bagão e abre a porta a que
nos contratos individuais também possam ser incluídas
normas menos favoráveis para os trabalhadores.
A lei deve estabelecer direitos
mínimos, não se opondo a que os contratos de trabalho e
as convenções colectivas estabeleçam direitos
mais favoráveis. Era assim na lei portuguesa, mas o Código
Bagão subverteu-a, admitindo que as suas próprias
normas pudessem ser alteradas, em sentido menos favorável, por
convenções colectivas de trabalho. As propostas do
livro branco mantêm a alteração negativa do
Código de Trabalho.
Quanto aos contratos individuais de
trabalho só poderiam alterar a lei se fossem em sentido mais
favorável. As propostas do livro branco vão no sentido
de mesmo em contratos individuais poderem ser introduzidas normas
menos favoráveis aos trabalhadores, o que facilmente se
transformaria na desregulação completa do direito do
trabalho, com a imposição da vontade do empregador em
qualquer contrato individual. As pessoas para arranjarem emprego
ficariam completamente prisioneiras da arbitrariedade do empregador.
Assim, comparemos as propostas do livro
branco, com o código de trabalho e com a lei anterior.
LCT
Artigo 13.º
(Prevalência na aplicação
das normas)
1 - As fontes de direito superiores
prevalecem sobre fontes inferiores, salvo na parte em que estas,
sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais
favorável para o trabalhador.
2 - Quando numa disposição
deste diploma se declarar que a mesma pode ser afastada por
convenção colectiva de trabalho, entende-se que o
não pode ser por cláusula de contrato individual.
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Código de Trabalho
Artigo 4.º
Princípio
do tratamento mais favorável
1 - As normas deste Código
podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte,
ser afastadas por instrumento de regulamentação
colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2 - As normas deste Código não podem ser
afastadas por regulamento de condições mínimas.
3 - As normas deste Código só podem ser
afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça
condições mais favoráveis para o trabalhador
e se delas não resultar o contrário.
Artigo
5.º
Aplicação de disposições
Sempre
que numa disposição deste Código se
determinar que a mesma pode ser afastada por instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho, entende-se que
o não pode ser por cláusula de contrato de trabalho.
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Livro Branco (propostas)
Artigo 4.º
(Relações entre fontes
de regulação)
1. As normas legais reguladoras dos
contratos de trabalho podem ser afastadas por instrumento de
regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando
delas resultar o contrário.
2. (Igual ao actual no 2).
3. As normas legais reguladoras dos
contratos de trabalho respeitantes às seguintes matérias
só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação
colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas
normas, disponha em sentido mais favorável aos
trabalhadores:
a) direitos de personalidade,
igualdade e não discriminação;
b) protecção da
maternidade e paternidade;
c) trabalho de menores;
d) trabalhador com capacidade de
trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
e) trabalhador estudante;
f ) dever de informação
do empregador;
g) limites à duração
normal do trabalho;
h) duração mínima
dos períodos de repouso, incluindo férias;
i) duração máxima
do trabalho dos trabalhadores
nocturnos;
j) forma de cumprimento e garantias
da retribuição;
l) segurança, higiene e saúde
no trabalho;
m) acidentes de trabalho e doenças
profissionais;
n) transmissão da empresa ou
do estabelecimento;
o) direitos dos representantes
eleitos dos trabalhadores.
4. As normas legais reguladoras dos contratos de trabalho só
podem ser afastadas por contrato individual quando este estabeleça
condições mais favoráveis para o trabalhador
e se delas não resultar o contrário.
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Este é um debate central do
Direito de trabalho: o "princípio do tratamento mais
favorável"
O art. 13.º da LCT corresponderia
ao padrão funcional que presidiu à formação
e ao desenvolvimento do direito do trabalho, e que era próprio
de um "direito de condições mínimas" sob o
ponto de vista dos trabalhadores, o carácter de
"imperativo-mínimo" da generalidade das suas normas. Ou
seja a lei estabelecia os direitos mínimos, não se
opondo a que os contratos de trabalho e as convenções
colectivas estabeleçam direitos mais favoráveis.
O Código de Trabalho veio
subverter esta norma, permanecendo fundadas dúvidas quanto à
sua constitucionalidade. No seu art.º 4.º n.º 1 veio a
admitir que as suas próprias normas pudessem ser afastadas, em
sentido menos favorável, por convenções
colectivas de trabalho (CCT). Quanto aos contratos individuais de
trabalho (CIT) só poderiam alterar o Código de Trabalho
em sentido mais favorável, a menos que as próprias
normas do código previssem diferentemente, o que abriria
caminho à possibilidade de o próprio código vir
a conter normas que contivessem disposições permitindo
a respectiva alteração em sentido menos favorável.
Quanto à proposta do Livro
Branco para o art.º 4.º, no n.º 1 prevê-se a
alterabilidade das normas de trabalho pelas CCT, sem se distinguir em
que sentido (mais ou menos favorável) tais alterações
podem ocorrer.
O n.º 2 é igual ao actual
n.º 2 e determina a inalterabilidade por regulamentos de
condições mínimas.
No n.º 3 estabelece-se que as
matérias referidas nas alíneas a) a o) só podem
ser alteradas pelas CCT's desde que a alteração seja
em sentido mais favorável. As outras matérias não
incluídas naquelas alíneas podem assim ser alteradas
pelas CCT's em qualquer sentido (mais ou menos favorável).
No n.º 4 do mesmo artigo-proposta,
estabelece-se que os CIT só podem alterar as normas legais
aplicáveis aos contratos de trabalho desde que a alteração
seja mais favorável, excepto quando as próprias normas
legais previrem o contrário, isto é, quando previrem
que elas próprias podem ser alteradas no sentido menos
favorável ou que não podem de todo ser alteradas. O que
abre caminho a que venham ser publicadas normas (no código de
trabalho ou em qualquer outro diploma legal) que prevejam a sua
própria alterabilidade por CIT em sentido menos favorável.
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