Neste artigo publicado no Irish
Times, a eurodeputada Mary Lou McDonald, do Sinn Féin,
defende que o Tratado Europeu está morto e apresenta uma lista
de propostas para negociar um melhor acordo.
O povo falou. O Tratado de Lisboa está
morto. Chegou a hora do Plano B. Enquanto alguns defensores do
tratado tentavam punir o eleitorado por tê-lo rejeitado, outras
vozes mostraram-se mais razoáveis . Não há
crise. A Irlanda não será expulsa da União
Europeia. De facto, a Irlanda vai continuar a estar no seu coração.
Os seus líderes políticos estão a indicar que é
hora de ouvir, reflectir e agir.
É difícil conciliar estes
sentimentos com a continuidade do processo de ratificação.
Quando a França e a Holanda rejeitaram a Constituição
em 2005, o processo de ratificação acabou. Isso mesmo
devia acontecer com Lisboa.
Mais importante que isso, o governo
precisa enviar um sinal claro ao eleitorado de que, não
obstante o seu próprio apoio ao tratado, vai agora argumentar
a favor de um tratado completamente novo, reflexo das preocupações
centrais que foram a causa da rejeição de quase um
milhão de pessoas ao Tratado de Lisboa.
Durante a campanha, eu e os meus
colegas do Sinn Féin argumentámos que este era um mau
acordo, e que era possível um melhor. A nossa crença
baseava-se não só numa análise detalhada do
tratado, mas também no facto de que, em 2005, dois dos membros
fundadores da União Europeia, a França e a Holanda,
rejeitaram o mesmo pacote.
Concentrámo-nos em três
tipos de preocupações.
Argumentámos que o Tratado de
Lisboa iria aprofundar o défice democrático, retirando
à Irlanda um comissário permanente, reduzindo o nosso
poder de voto no conselho, retirando ou enfraquecendo poderes
estratégicos de veto, tais como sobre os impostos e o comércio
internacional, e dando ao Conselho Europeu o poder de emendar as leis
fundamentais da União. Que o tratado foi escrito e apresentado
numa forma ininteligível, acrescentando ao défice
democrático um défice de informação.
Sobre a militarização,
argumentámos que além de levar a UE mais longe no
caminho de desenvolver políticas externas e de defesa comuns,
Lisboa promoveria a militarização e solaparia e
neutralidade do Estado.
Também ficámos
profundamente preocupados pelo facto de o tratado ter sido desenhado
para abrir mais à competição e à
privatização serviços públicos como a
educação e a saúde. Isto seria complementado
pela retirada de direitos-chave de veto sobre a inclusão da
saúde, da educação e dos serviços sociais
em acordos internacionais de comércio.
O Sinn Féin também
exprimiu profundo desapontamento com o fracasso dos autores do
Tratado de Lisboa de abranger os direitos dos trabalhadores e de se
opor à contínua tendência para o dumping social,
com a ajuda e a cumplicidade do Tribunal Europeu de Justiça.
Também destacámos o
impacto negativo do tratado no mundo em desenvolvimento e no contínuo
envolvimento da Irlanda na Comunidade Europeia da Energia Atómica.
A campanha acabou e o veredicto é
claro. Saúdo a promessa do Fine Gael e dos Trabalhistas de não
serem a favor de um segundo referendo. Apelo ao governo para que faça
o mesmo.
Contudo, a tarefa mais importante é
assegurar o acordo melhor pelo qual o povo votou. Apesar de a
principal responsabilidade ser do governo, existe uma
responsabilidade de todos os que, como nós, foram contra o
tratado, de detalhar o que achamos que devia constar nesse acordo.
Devemos também apoiar o governo a conseguir a melhor saída
possível para futuras negociações.
Eu incitaria todos os sectores,
qualquer que seja a sua posição, de aproveitar esta
oportunidade e trabalhar com todos. Hoje, o Sinn Féin vai
apresentar ao governo um documento detalhado, delineando as propostas
de mudança ao Tratado de Lisboa. Defendemos:
- A manutenção de um
comissário permanente para todos os Estados-membros;
- A manutenção das
fórmulas do Tratado de Nice para as votações por
maioria qualificada;
- A eliminação de todos
os artigos de auto-emenda, incluindo o processo de revisão
simplificada no artigo 48;
- A eliminação do
artigo 46a que dá à UE uma única personalidade
legal:
- Um protocolo fortalecido sobre o
papel dos parlamentos dos Estados-membro;
- Um protocolo significativamente
expandido sobre os princípios de subsidiaridade e
proporcionalidade incluindo os objectivos e os valores da UE;
- Emendas substanciais a aspectos da
Política de Segurança e de Política Externa;
- Emendas substanciais à
secção de Defesa Comum e de Política de
Segurança;
- Um novo protocolo sobre
neutralidade;
- Um cláusula social
reforçada;
- Um protocolo substancialmente
revisto sobre serviços públicos vitais;
- Emendas a artigos que se referem a
serviços públicos e ajuda estatal;
- A inclusão da Cláusula
de Progresso Social da Confederação de Sindicatos
Europeus para proteger os direitos dos trabalhadores;
- Um protocolo sobre soberania fiscal
irlandesa;
- Emendas substanciais ao artigo 188
sobre acordos de comércio internacionais, incluindo um forte
veto sobre acordos mistos da Organização Mundial do
Comércio:
- Um novo protocolo pondo fim à
participação da Irlanda na Comunidade Europeia de
Energia Atómica;
- Uma série de emendas aos
artigos 10 e 188 promovendo as necessidades do mundo em
desenvolvimento no contexto do comércio internacional.
A agenda do Sinn Féin para o
futuro da UE é muito mais ampla e profunda do que esta lista
de exigências. Elas são, na nossa opinião,
modestas e viáveis. Representam tanto o detalhamento do melhor
acordo que defendemos durante a campanha do referendo quanto o que
pensamos ser as mudanças mínimas necessárias
para qualquer novo tratado que seja aceitável ao eleitorado.
Claro que o governo vai dizer que esta
lista é demasiado ambiciosa, demasiado detalhada e de entrega
impossível. Contudo, já estamos a ouvir inúmeras
vozes na UE, em governos, partidos de oposição e
movimentos sociais, que apoiam todas ou algumas das exigências
listadas acima. Estados-membro menores estão interessados nas
nossas propostas sobre a comissão e o conselho. Sindicatos e
movimentos sociais apoiam a nossa posição sobre os
direitos dos trabalhadores e serviços públicos. E
grupos pacifistas e movimentos anti-guerra estão dispostos a
mobilizar-se sobre as questões que lhes soam bem.
A questão é se o governo
irlandês tem a vontade política e a coragem de dar voz
às preocupações do eleitorado expressas no
referendo.
A política é a arte do
possível. Quando se entra em qualquer negociação,
deve-se ser ao mesmo tempo ambicioso e realista. É crucial
reunir em torno de nós quanto mais apoio possível,
tanto no campo doméstico quanto noutros Estados-membros, para
assegurar a saída mais vantajosa. O Sinn Féin está
pronto a cumprir a sua parte de uma forma construtiva. Acreditamos
que muitas outras vontades querem fazer o mesmo.
Todos os olhos estão virados
para o governo. Vai ouvir o povo e trabalhar para assegurar um acordo
melhor para a Irlanda e a UE? Ou vai colaborar com as forças
da UE que parecem pouco dispostas a respeitar os resultados do
referendo da Irlanda, da França e da Holanda? A primeira opção
vai reforçar a Irlanda, o nosso lugar na UE e a própria
união. A segunda vai significar um novo atentado à
credibilidade democrática de uma já vacilante Europa.
18/6/2008
Tradução de Luis Leiria
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