Os hemofílicos são os cidadãos que mais carregam a
dor das consequências de politicas submissas a critérios de poupança, que na saúde
não compensa. Testemunham as memórias ainda não muito longínquas do drama que
se abateu sobre muitas dezenas de famílias de hemofílicos, como resultado dos
famigerados lotes infectados com HIV.
Opinião do nosso leitor José Lopes de Ovar.
A hemofilia e um distúrbio complexo que faz com que os seus
portadores precisem não só do acesso ao tratamento, mas de "factores
determinantes para uma boa saúde e melhoria da qualidade de vida, através da
prevenção de hemorragias, gestão a longo prazo de lesões musculares e das
articulações ou a gestão de complicações de tratamento" como defende a APH
(Associação Portuguesa de Hemofílicos).
A tragédia dos hemofílicos vitimados pelo HIV deu origem a
uma dura luta travada na opinião pública e nos tribunais pela APH para que
fossem assumidas responsabilidades por parte do Estado num período em que Leonor Beleza
foi ministra da saúde. Foi um período negro que se viveu entre 1979 e 1985 em
que as primeiras terapêuticas por reposição do factor eram derivadas do plasma
humano.
Ultrapassada a fase mais critica e dramática da família hemofílica
no historial de tratamento de hemofílicos em Portugal, que novos argumentos
podem justificar mais erros técnicos, que resultaram na identificação em 1989
do vírus da hepatite C (VHC) de um maior número de hemofílicos infectados com esta
doença hepática crónica?
Mais um factor de risco, que passou a ser partilhado por
muitas famílias, que estão a suportar com pouca qualidade de vida e
naturalmente de saúde. Situação que se agrava, quando os tratamentos por vezes
não conseguem contrariar o vírus, esperando-se com ansiedade que a ciência dê
novas respostas que evitem quanto antes futuras complicações, que podem colocar
a nu, a verdadeira dimensão de mais este sacrifício sobre quem já bastava a
rotina normal de quem é portador da deficiência congénita no processo de
coagulação do sangue, como é a Hemofilia. Razões que justificam propostas da
APH que passam pela, "compensação de todos os indivíduos hemofílicos com
infecções de VHC contraídas através da utilização prévia de concentrados de factor
derivados do plasma humano".
É pois, tendo em linha de conta todo este percurso marcado
por politicas para a Saúde pouco vocacionadas para o primado de colocar acima
de tudo, de todos os mesquinhos interesse como o potencial lucro também nesta
área, que lentamente vai negando o acesso a cuidados de saúde de qualidade, que
não podemos descurar, alguns efeitos colaterais no que hoje ainda são direitos
consagrados especialmente aos portadores de doenças crónicas. Confrangimentos
que naturalmente não deixam de ser resultantes das actuais políticas de cortes
na gestão da Saúde e neste caso em meios hospitalares.
A conclusão só pode ser esta, quando um hemofílico,
regularmente acompanhado num Hospital Central, ao ser submetido a uma simples
intervenção para tirar dois pólipos, através de uma colonoscopia, acaba por
protagonizar um papel bem real que retrata ironicamente as consequências da política
da poupança na saúde.
Na falta de uma outra importante reivindicação da APH que
passa pelo "desenvolvimento e implementação de directrizes de tratamento da
hemofilia" e de verdadeiros "Centros Nacionais de Excelência para Hemofilia,
com equipas multidisciplinares" ainda é possível, quando um hemofílico, por
falta de informação ou desconhecimento das consequências, não reclama direito a
um tratamento adequado e preventivo, acontecerem situações surrealistas, como a
referida intervenção em que a preparação com factor foi insuficiente, numa
lógica, que entre outros motivos, se pode concluir que o peso economicista acaba
por influenciar. Os resultados práticos foram as inevitáveis hemorragias e
consequentemente todo um processo repetidamente em cadeia que obrigou ao
recurso do internamento durante uma semana e administração de factor, desta vez
em doses preventivas, já que contrariando o protocolo médico, este caso, que
obrigou a mais duas intervenções, contrariou a orientação de redução de custos à
custa dos doentes que se vive nos Serviços de Saúde.
Ora este caso, que ficou naturalmente registado até pelos
seus custos finais, foi devidamente avaliado. E tendo presente que entre os
técnicos de saúde, esta é uma regra profissional e cientifica fundamental. Certamente
que deveria ficar registada a razão de fundo que pode ter originado tal
embaraço que colocou em causa a "obsessão" do défice também na Saúde. Um episódio
rocambolesco, que faz tirar como conclusão: já chega, neste caso, de os
hemofílicos serem vítimas fáceis de politicas e práticas que objectivamente
lhes tiram qualidade de vida.
26/08/2008
José Lopes (Ovar)
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