Brecha na ideologia neoliberal |
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30-Set-2008 |
A crise abriu uma enorme
brecha na ideologia neoliberal. Os defensores do sistema tudo farão para
limitar a questão à falta de regulação e à ganância excessiva de alguns
investidores. Mas o debate sobre a ineficiência do mercado, da regulamentação
ou sobre a própria (in)sustentabilidade do capitalismo está na praça pública...
Os deputados da Câmara dos
representantes chumbaram ontem o pacote 700 mil milhões de dólares de ajuda aos
especuladores. Alguns dos que votaram contra fizeram-no porque sabem que muitos
dos seus eleitores sentem uma genuína repulsa em usar o seu dinheiro para
salvar os ricos de um problema que eles próprios criaram. Outros, mais
ortodoxos na interpretação da doutrina neoliberal, estão dispostos a ver o
barco afundar para se manterem fiéis aos seus princípios. Como o deputados
republicano Jeb Hensarling que votou contra a proposta para evitar que "a nação
resvale no caminho para o socialismo". Seria uma improvável reviravolta. Na
realidade Bush sabe, tal como o Leopardo de Visconti, que chegada a hora do
aperto algo tem que mudar para que tudo fique na mesma. É este o fio condutor
por detrás de muitas das recentes conversões aos benefícios da regulamentação
dos mercados financeiros.
Há apenas um ano Bush vetou
uma proposta de lei que previa um investimento extra de 7 mil milhões de euros por
ano (1% do actual pacote de ajuda aos especuladores) para garantir o acesso à
saúde a 10
milhões de crianças pobres. O veto deveu-se a razões "filosóficas" para
impedir que os pobres pudessem fugir às seguradoras privadas em favor do
serviço público, o que seria obviamente insustentável. Aqui mais perto de nós a
obsessão do défice impôs por toda a Europa congelamentos salariais, cortes
orçamentais na saúde e na educação e ataques sem precedentes à segurança social,
tudo porque supostamente não havia dinheiro para sustentar um estado tão
"gordo". Uma mentira que fica agora
claramente desmascarada. Só nos últimos meses o Banco Central Europeu e bancos
privados injectaram nos mercados financeiros mais de 120 biliões de euros ou
seja, cerca de 80% do produto interno bruto de Portugal.
A crise abriu assim uma enorme
brecha na ideologia neoliberal. Os defensores do sistema tudo farão para
limitar a questão à falta de regulação e à ganância excessiva de alguns
investidores. Mas o debate sobre a ineficiência do mercado, da regulamentação
ou sobre a própria (in)sustentabilidade do capitalismo está na praça pública. E
é um debate que a esquerda tem que ganhar porque vai moldar a política durante
os próximos anos.
Rui Borges
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